quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Nossa luta diária é para nos libertar das mãos controladoras do patriarcado

 Com a esperança de, um dia, sermos – todas – quem quisermos ser


Ilustração Mani Ceiba*

Por Ana Carolina Maia*


Muitos acham que, quando estamos falando em violência contra a mulher, estamos apenas falando da forma física em que ela se apresenta. Mas a real é que a violência pode vir das mais variadas formas. E a nossa luta é acabar com ela desde ali da raiz. 

Me lembro de uma vez que eu, no auge da minha militância no movimento estudantil, fui convidada para mediar uma roda de conversa com alunos do ensino médio e a temática era “a cultura do estupro”. Como ela se manifesta de formas tão sutis e como, depois, cresce como um fungo penetrando todas as nossas camadas. E, muito importante salientar, como ela não tem nada a ver com sexo. Estupro não é sexual, é relação de poder. 

E é isso que move esse machismo que a gente encara todos os dias. Esse poder que ele vai acumulando pra si violentando, todos os dias, quem não está no seu patamar.

A violência diária, das mais variadas formas. Fora ou dentro de casa. Com milhares de nós ao redor do mundo. 

Quando comecei a me dar conta do que significava ser mulher, comecei a compreender todos os braços do machismo – que respirava um bafo quente bem no canto do meu ouvido sem que eu pudesse escutá-lo. E aí eu comecei a entender muita coisa.

Entendi também uma das coisas que tanto me espantou. A de que não basta a gente saber, não basta ter vivência, não basta a gente conhecer histórias e mais histórias. Nós todas estamos presas nas mãos controladoras do patriarcado. Que chega invisível e sorrateiro. Por vezes, pelas mãos de quem a gente menos espera.

A nossa luta diária é se libertar.

Porque, por mais voz que eu sinta que tenha hoje, ainda (por medo), eu não sou capaz de levantá-la e me defender quando sou violentada nas ruas por estar com o bico do meu peito marcando pelo simples fato de não usar sutiã (há uns bons cinco anos, graças a deus). 

Essa situação foi uma das últimas vezes em que fui assediada na rua. Repare bem “uma das últimas”. Não a primeira, certamente não a última. No primeiro momento veio o medo. Ele chegou bem próximo de mim, pensei que poderia me encostar. Depois senti vergonha. Cheguei a me encolher na rua tampando meus peitos. Quando cheguei em casa tive nojo. Depois, já me sentindo segura, veio a raiva.

A minha resposta continuará sendo me comportar e estar confortável do jeito que eu quiser.  E, por mais que eu entenda, e digo isso em letras garrafais, que MINHA ROUPA NÃO TEM NADA A VER COM O ASSÉDIO QUE EU SOFRO, ainda paro para pensar o que vou vestir em determinado local ou horário. Eu não posso, por exemplo, vestir meu body e passar aqui na rua de trás porque tem várias oficinas mecânicas e – toda vez – sou invadida. “Não posso”. Percebe? 

O machismo é tão forte que nos controla até mesmo em situações em que sabemos que estamos sendo controladas.

Como quando, até hoje, depois de dez anos eu não tenho coragem de contar para a minha família sobre o meu primeiro assediador. E o pior deles. Escondi essa “caixinha de trauma” tão bem escondida por tanto tempo que nem na terapia o assunto ainda surgiu. 

O machismo tem uma potência muito grande sobre a vida daquelas e daqueles que deseja controlar. Se você não se encaixar no padrãozinho que por eles é imposto, vira alvo. 

Acho que o que me fez continuar seguindo sempre foi saber que eu não estou sozinha. Que outras mãos, tão doídas quanto as minhas, estarão dispostas a me segurar quando for preciso. E que essa é uma luta que precisa do apoio de todo mundo. Todo mundo mesmo. E todo dia.

Pensando assim, finalizo esse texto/desabafo com uma frase da Audre Lorde que, desde a primeira vez que ouvi, nunca mais saiu da minha cabeça: “não sou livre enquanto outra mulher for prisioneira, mesmo que as correntes dela sejam diferentes das minhas”.

* Carol Maia é jornalista de 29 anos. Ex-militante do movimento estudantil, hoje trabalha em uma agência como social media.
* Mani Ceiba (Fernanda Vaz) é desenhista, ilustradora, ceramista. Artista plástica formada pela EPA e faz bacharelado em artes visuais. Faz parte do coletivo Pavio Curto. Membro da direção do grupo de artes borboletadágua.

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Eu prefiro trazer os submersos à superfície Contista, romancista e algumas vezes poeta, Cinthia Kriemler escreve sobre as misérias humanas, a dor e a violência

 Por Giovana Damaceno


Imagem pública da internet

Antes de qualquer coisa, preciso deixar registrado que sou muito fã dessa escritora e que qualquer exagero meu não será mero deslize. Admiro demais a obra, o estilo, o formato, a temática, a voz. Sem contar que é uma pessoa lúcida, consciente do papel que lhe cabe, equilibrada quando tem que ser, da mesma forma que pode soltar os pitbulls quando necessário e se estiver a fim.


Cinthia Kriemler, pra mim, é referência de liberdade da escrita e na vida. Uma mulher que chegou aquele momento da maturidade em que se permite escolher, fazer ou não fazer, bancar o que diz, realizar o que quiser, quando quiser. Assim vejo a escritora que mergulhou na escrita depois dos cinquenta anos e se descobriu apaixonada por esse ofício, cujo ambiente ainda é tão hostil às mulheres.


Ela nasceu no Rio, sob o signo de Áries, num Sábado de Aleluia. Filha única de uma mãe mineira e um pai carioca, mudou-se para Brasília aos onze anos e “foi aqui que cresci, estudei, trabalhei, me casei, me divorciei e tive uma filha (nessa ordem). Única também”. Leitora ativa, mas sem qualquer pretensão de escrever, além de textos e projetos relacionados à profissão de Jornalista, decidiu que queria dar uma guinada e fazer alguma coisa que dependesse somente dela. “O anúncio de um concurso de contos me atraiu. Participei. Não ganhei. Mas descobri que escrever era muito bom. Não parei mais”. 


O primeiro livro veio em 2010, lançado pelo Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal. Segundo Cinthia, totalmente confuso e sem unidade, resultado de certo desespero de colocar tudo no primeiro livro. Em 2012 conheceu a Editora Patuá, de São Paulo, que desde então publica suas obras. “Encontrei a minha voz, descobri meus interesses. E se, quanto à forma, eu esteja sempre aberta a mudanças, quanto à escolha dos temas sou mais rígida no recorte”.


No momento Cinthia Kriemler trabalha em um novo romance, ainda em fase de pesquisa. “Sou meio perfeccionista (se é que a gente pode ser ‘meio’). Descobri isso recentemente. Só me sinto segura depois que escrevo a ambientação e a estrutura básica de cada personagem”. Só que nem sempre é assim. Ela me contou que já aconteceu de mudar a personalidade de um personagem quando já estava no meio do livro. De repente, pensou: “Não quero que ela seja boazinha. Ela está muito chata. Quero que ela seja uma vilã.” Com um bocado de trabalho, trocou tudo. 


O objetivo é publicar o novo romance em 2022, embora saiba que o que escreve tem vida própria e rumos podem mudar a qualquer momento. Às vezes, procrastina; há fases de não querer escrever uma linha, até decidir que precisa modificar o texto. “Se não está interessante para mim, por que estaria para os outros? E nessa brincadeira de ir e vir gasto mais tempo”. 


Esse tempo lapida o trabalho que Cinthia nos oferece e que, ainda que admirado por muitos, pode ser rechaçado por outros tantos. No papo aí embaixo você vai entender o porquê. 


Vozes Explosivas - Contista, cronista, romancista e poeta. Como se dá sua vivência entre os gêneros? Algo que te toca mais, que te atraia mais e/ou que te consome mais?


Cinthia Kriemler - Sou contista e romancista, nessa ordem. E publiquei um único livro de poesia — até agora, nada nem ninguém me convenceu de que devo publicar outro. Eu não sou poeta. Ocasionalmente, escrevo poemas. Gosto deles. Mas é só isso. Embora ultimamente tenha me dedicado mais à escrita dos romances, não nego que sou apaixonada pelos contos.  Gosto de ver uma história inteira caber em poucas páginas. Os contos são o berço da minha escrita. Volto para beber dessa fonte constantemente. Apesar dessa predileção, tenho mantido um caso sério com o gênero romance. Ultimamente, me pego tentando ampliar um texto curto, pensando se não poderia se tornar um romance. Enfim, quando se trata das palavras, tudo me atrai. 


VE - Seu trabalho é conhecido e admirado pelo choque de realidade que provoca nos leitores. Personagens reais, histórias marcantes, duras e muitas vezes dolorosas de encarar. Como você chegou até esse estilo, essa voz?


CK - Acho que demorei um tempo para olhar um texto meu e me sentir realmente satisfeita com o tema e com a forma. Mas depois que me dei conta do que queria dizer, e como queria dizer, tudo fluiu. Sou essa pessoa que você descreveu. Minha escrita é voltada para os invisíveis, os excluídos, os que sofrem abusos, os abandonados, os que são vítimas de violência — física, psicológica, moral. Os sem voz. Para chegar nesse lugar, fui colhendo impressões de anos guardadas na memória, e também exercitando de forma permanente o ver e ouvir das pessoas ao meu redor. Quando a gente olha mais fundo, enxerga a dor e as privações. Quis mostrar as dores que, muitas vezes, são varridas para baixo do tapete. E, para fazer isso, é preciso incomodar. Quando digo que não escrevo finais felizes, não é por desacreditar na felicidade. É porque não tenho interesse em falar da vida de uma parcela mínima da sociedade — os felizes. Eu prefiro trazer os submersos à superfície. E tentar instigar reflexão. Quero mostrar os que sofrem. É um jeito de dizer que não estão sozinhos. A solidão vai muito além de não se ter um companheiro ou companheira de caminhada. A diversidade das faltas é maior e assustadora. E é sobre elas que falo na minha escrita. 


VE - Você afirma ter aprendido que o que escreve não vai interessar, tocar, agradar, despertar, atrair a todos. Por que não interessa? Acredita que nem todo mundo gosta de saber das misérias humanas? Considera que essa rejeição um dia possa ser superada?


CK - Não se pode agradar a todos. Esse é um clichê real. Estou de pazes feitas com isso. Mas é preciso falar sobre o que leva um leitor à rejeição de um texto: tem gente que não gosta de ler sobre as misérias humanas. Que se recusa a sentir ou ter que prestar atenção a elas. Em sua grande maioria, são pessoas encolhidas em suas bolhas de alienação. Que se desculpam dizendo: “Ah, a realidade já é tão feia! Prefiro ler coisas amenas, bonitas”. Fogem de tudo o que os possa incomodar em suas ilhas de paz pré-fabricadas. Sofrem da síndrome de Pollyana. Essas pessoas não querem se deixar tocar por nada de ruim. Pensam em si mesmas como espertas e inteligentes, driblando o mundo mau. Que mundo mau? Consideram que é burro, chato e irritante tudo o que não é bonito e agradável. Como as dores alheias. São, geralmente, pessoas egoístas, medrosas, que vivem na superfície. Mas existe também um outro tipo de pessoa que não se sente atraída pelos temas que eu abordo. Pessoas que vivem no limite de situações de dor e sofrimento. Fragilizadas, quebradas. Para essas pessoas, o que escrevo pode ser a gota d’água. Pelo menos num determinado momento. Pode ser um gatilho para mais dor e sofrimento. Um exemplo: como esperar que uma filha que perdeu recentemente a mãe de câncer vá querer ler uma história sobre um personagem idosa que morre de câncer? E há, finalmente, os que não me leem porque simplesmente não gostam da forma do meu texto. Não têm nada contra os conteúdos, mas não apreciam o meu estilo. Entendo e respeito os dois últimos grupos de leitores que citei. Quanto ao primeiro, lamento. Depois de tudo isso, não sei dizer se uma possível rejeição pode ou não ser superada. Talvez em alguns casos. Mas em vez de trabalhar com a hipótese da rejeição, prefiro buscar leitores. Em especial os críticos. Esses são capazes de interações ricas, maduras e muito gratificantes. E, se surge a aceitação, sei que foi mediante uma troca justa.


VE - As questões envolvendo a mulher são referências constantes nas suas obras: abusos, violência, velhice, desigualdade, solidão. Você é feminista?


CK - Sou. Sempre reluto diante dos rótulos. Principalmente quando abrigam crenças, causas e bandeiras que acabam se ramificando em definições e meandros que contenham confrontos, mesmo que partam de uma base única. Já me aconteceu de dizer que sou feminista e, no dia seguinte, ler um texto feminista que criticava alguma atitude na qual acredito. E também já me aconteceu o contrário. De ter dúvidas quanto a ser ou não feminista e ler um texto que me mostrava que sou. Às vezes, as diferenças dentro de uma mesma causa me causam incertezas. Especialmente quando, em vez de discutidas, se tornam agressões ou tentativas de dominação, num verdadeiro cabo-de-guerra. Então, fiz uma reflexão sobre as coisas nas quais sempre acreditei na minha vida, e na forma como sempre agi, e comparei com as ideias e posicionamentos do feminismo. Foi quando concluí que sou, sim, uma feminista. Extraí da reflexão que fiz o que acredito ser o mais importante no feminismo: respeito, direitos, igualdade, liberdade. Acredito em frases como: Meu corpo, minhas regras; Nem puta nem submissa (slogan criado pelo movimento feminista francês); Mexeu com uma, mexeu com todas. Quando leio e internalizo essas referências, percebo que o feminismo está construído sobre a sororidade. E vejo que, discrepâncias à parte, o feminismo está em mim desde antes de eu saber o que esse movimento queria dizer. O feminismo não é um modismo, uma mania, um oportunismo. É uma realidade transformadora. Para melhor.


VE - Suas obras não têm um vilão totalmente mau e nem uma mocinha totalmente boazinha. As personagens são criadas na perspectiva do ser humano normal, com seus lados bom e mau. É assim que você vê o ser humano?


CK - Exatamente assim. Não gosto da visão maniqueísta. Todo ser humano traz bem e mal dentro de si. Histórias de vida, gatilhos, traumas podem fazer o chamado lado bom ser suplantado, mesmo que temporariamente, pelo lado mau. O ser humano, frequentemente, confunde justiça com vingança. Comete um e se justifica pelo outro. Incluo-me nesse plantel. E não me culpo por isso. Gosto das emoções não domesticadas tanto quanto das emoções equilibradas. Depende da hora e da situação. Acho que as criaturas são assim, ondas irregulares. Mares que alternam tempestade e calmaria. E os meus personagens refletem isso.


VE - A liberdade é muito presente em seus textos. Liberdade de escolher como escreve, como gosta de escrever, sua formatação e linguagem própria também. Sua escrita foge muito aos padrões atuais do que conhecemos como “mercado literário”. Foi difícil soltar os freios? Acredita que para a mulher autora alcançar esse lugar é mais difícil? 


CK - Liberdade. Existe coisa mais preciosa? Um direito básico. E muita gente passa a vida sem desfrutar desse direito. Por cerceamento. Por escolhas equivocadas. Por medo. Liberdade é uma descoberta gradual e individual. Uma caminhada lenta, confusa e dolorosa. De idas e voltas. De retirada dos excessos muito mais do que de acúmulo. Na vida. Na escrita. Soltar os freios, pra mim, foi uma consequência dessa caminhada. Uma consequência muito prazerosa. Porque não depende dos outros. Você faz as escolhas: sim, não, ainda não sei, não quero, quero. E entende que tudo é resultado das suas escolhas. Você abandona os rumos predeterminados e vai fazer o que gosta. Arcando com tudo o que isso possa significar. Se outros gostam, é soma. Prazer multiplicado.

Quanto à última parte da sua pergunta, eu acredito que é mais difícil, sim. O que é que não é mais difícil para a mulher? Ou melhor, reformulando: o que é que não é mais dificultado para a mulher? A gente caminha arrastando os penduricalhos do preconceito, do sexismo, da misoginia, do machismo, da dominação, da manipulação, da culpa. Temos fantasmas ancestrais tentando nos puxar para trás o tempo todo:


Nem tenta, porque não vai dar certo. Você não vai conseguir. Os homens escrevem muito melhor que as mulheres. Mulheres escritoras adoram mimimi. Cai na real, só homem é que fica famoso. Só homem é que ganha prêmio. O mundo é dos homens. Por que você não escreve usando um pseudônimo masculino? Mulheres não devem escrever palavrão. Não é melhor cortar aquela cena de sexo? Fica parecendo apelação. Que tal escrever um final feliz pra variar? Por que você não escreve como fulano, sicrano, beltrano? 


É mais difícil, sim, para a mulher. E ainda há outras condicionantes que o preconceito impõe. Se a mulher é mais velha. Se mora fora do circuito São Paulo-Rio. Se nunca venceu um prêmio. Se publica por uma editora pequena ou se autopublica. Se não tem formação em Letras. Se não faz parte do grupinho certo. Se… Se… Se…

É pesado. Mas a gente dá conta. 


VE - Em que patamar você vê a mulher que escreve atualmente? Estamos superando o apagamento da mulher na literatura?


CK - Apagamento. Palavra assustadora. Desdobramento de desprezo, manipulação, dominação. De silenciamento. Palavra secular no universo da mulher. Estamos superando esse apagamento, mas ainda falta muito chão. São muitos obstáculos e armadilhas. Uma delas é o medo ou a insegurança de buscar a própria voz. Mas, apesar das dificuldades, não existe mais qualquer possibilidade de recuo. Não tem mais volta. Ninguém vai nos devolver a um tempo de castração intelectual. Não existe mais a opção do silêncio. 



Obras da autora:

Na escuridão não existe cor-de-rosa

Todos os abismos convidam para um mergulho

Tudo o que morde pede socorro

O sêmen do rinoceronte branco

Exercício de leitura de mulheres

Novena para pecar em paz (org.)

Todos os livros podem ser adquiridos na loja on-line da Editora Patuá.

Giovana Damaceno é jornalista e escritora. Escreve no blog pessoal www.giovanadamaceno.com. Autora dos livros: “Mania de Escrever” (2010), “Depois da Chuva, o recomeço” (2012) e “Do lado esquerdo do peito”, (2013) e "Alguém pra segurar a minha mão" (2020). 

Lei Maria da Penha: símbolo de luta e resistência

Por Eduardo Carvalho*

O aumento da violência contra as mulheres, muitas vezes praticada pelos seus próprios parceiros, somado à denúncia e mobilização da sociedade, mas principalmente dos movimentos feministas, tornou realidade no Brasil há 15 anos uma lei para prevenir e coibir tais atos violentos. A Lei nº 11.340 foi sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 7 de agosto de 2006. 

A Lei Maria da Penha se tornou um símbolo de resistência de mulheres contra a violência doméstica e familiar, e foi sendo aprimorada com o passar dos anos, principalmente pela pressão da representação feminina no Poder Legislativo.  

Sul Fluminense

Na região Sul Fluminense, muitas mulheres vítimas de violência têm recorrido à Lei Maria da Penha, que é aplicada e continua forte e eficiente. A jornalista Inês Pandeló, que era deputada estadual na época em que a lei foi criada e entrou em vigor, explica que “a Lei Maria da Penha configura como crime qualquer ação ou omissão baseado no gênero que lhe causa morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. 

- A violência doméstica tem um ciclo, que pode apaziguar e depois retomar em ato violento. Então, se você mulher está sofrendo esse tipo de violência, o melhor a fazer é registrar a ocorrência e pedir a medida protetiva, pois a Lei Maria da Penha tem salvo muitas vidas - informa Pandeló.

Ela comenta ainda que a violência pode acontecer das mais variadas formas, inclusive por meios digitais, como ameaça de morte através das redes sociais. O registro, tanto para casos como esses quanto por agressão presencial deve ser da mesma maneira. A denúncia pode ser feita em qualquer delegacia presencialmente ou ligando para 180, o número da Central de Atendimento à Mulher. O serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgãos competentes.

Alguns casos recentes de violência contra a mulher na região Sul Fluminense foram registrados, inclusive de feminicídio. A polícia civil realizou em agosto a Operação Gaia contra suspeitos de violências contra mulheres, com 20 suspeitos sendo presos e 100 mandados cumpridos. 

Disque 180

Segundo a Central de Atendimento à Mulher, a maioria dos casos são agressões presenciais, mas isso não diminui a gravidade dos outros tipos de violências. De acordo com relatos do serviço Disque 180, 51,06% dos casos referem-se a agressões físicas, 31,10% a violências psicológicas, 6,51% a violência moral, 4,30 a violência sexual e 1,93 a violência patrimonial.

A patrulha Maria da Penha, exclusiva para mulheres vítimas de violência doméstica, dobrou o número de atendimentos nos dois primeiros meses de 2021 na comparação com o mesmo período do ano passado. Especialistas acreditam que o aumento se deu devido ao isolamento imposto pela pandemia, onde as mulheres ficaram mais confinadas com seus agressores em casa.

O artigo 7º da Lei tipifica como violência psicológica qualquer ‘conduta que cause dano emocional ou prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação da mulher; diminuição, prejuízo ou perturbação ao seu pleno desenvolvimento; que tenha o objetivo de degradá-la ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição, insulto, chantagem, ridicularização, exploração, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio’. Traz também a definição da violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.


Instituto Maria da Penha

Em 2009 foi fundado o Instituto Maria da Penha, uma organização não governamental sem fins lucrativos. Com sede em Fortaleza, o Instituto busca estimular e contribuir para a aplicação integral da lei. Também promove e apoia ações sociais que elevem o nível de qualidade da vida física, emocional e intelectual das mulheres. Contribui para diminuir ações de indiferença, banalização e omissão nas questões de gênero, as quais reforçam a cultura da violência contra a mulher. Desenvolve um trabalho estratégico de conscientização sobre os conceitos ligados à cultura de gênero e violência sexista. 

Maria da Penha, mulher que leva o nome da lei e que sofreu violência doméstica diz que a lei surgiu para resgatar a dignidade da mulher brasileira Ela acredita que para o número de violência contra a mulher diminuir é necessário que existam em todos os municípios com mais de 60 mil habitantes as políticas públicas que atendem a Lei, os lugares em que existem aa políticas públicas o número e denúncias aumentou enquanto o de reincidências diminuiu. Quando o número de denúncias aumenta significa que as mulheres se sentem mais seguras para denunciar acreditando no poder do Estado. 

*estudante de jornalismo