sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Maria Cristina Martins une poesia e pintura em seu novo livro

Por Marlucio Luna

A escritora Maria Cristina Martins escreveu o seu segundo livro — Farândola — em um momento complexo em todos os sentidos. O nascimento do primeiro filho, a pandemia e a busca por manter vivo o processo criativo, em meio a tantos acontecimentos, fizeram com que ela descobrisse uma nova forma de expressão artística, a pintura, e a unisse à poesia. Farândola é o resultado desse tempo de buscas e descobertas, dúvidas e respostas. Os quadros pintados durante esse período ilustram o livro.



A poesia de Maria Cristina conta histórias, mergulha na vida, retrata o mundo de forma ampla. Como ela diz, são histórias “um pouco minhas, um pouco roubadas, um pouco inventadas”. Sem se ligar a estilos ou a formas pré-estabelecidas, a poeta mantém a prosa como uma referência em seu processo criativo.

Nesta entrevista, a poeta fala do seu amadurecimento enquanto escritora, de suas influências literárias, do papel da pintura quando viu a escrita “travada” e de como pincéis e tintas contribuíram para superar essa dificuldade. Maternidade e pandemia influíram não só no conteúdo dos poemas, mas também no próprio processo criativo. Em tempos nebulosos de Covid e isolamento social, Farândola é um encontro com a vida.



O que levou você a escrever poesia?

Sempre senti que escrevo por necessidade, mas fui percebendo que essa é uma sensação muito lugar-comum. Comecei a investigar, então, por que sinto essa necessidade, para tentar encontrar respostas mais interessantes. Tenho seguido a pista dos cinco mandamentos do Rubem Fonseca. Para ele, um escritor precisa ser: louco, alfabetizado, motivado, paciente e imaginativo. Acho que tenho um pouco de cada um desses itens. Alguns vão dizer que é mentira, que não tenho paciência. Mas eu tenho. Para escrever, eu tenho. Talvez eu gaste toda minha paciência aí, então não sobra para o resto. Ainda assim, não sei bem o que me motiva.  Acho que pode ser por eu ter a sensação de que escrevo melhor do que falo. Rubem Fonseca dá o exemplo de Manuel Vázquez Montalbán, que sendo “baixinho” e “um pouco feio”, escrevia para poder ser alto e bonito. 

Não sei se esses mandamentos só valem para os escritores de prosa. Não sei se é errado chamar um poeta de escritor, mas eu acho que não. Acho até que a parte da loucura vale mais para os poetas do que para os romancistas ou contistas. Em relação a esse item, vejo como um pré-requisito, mas também como um remédio: escrever para não enlouquecer.

No livro “Por que escrevo?”, que foi organizado por José Domingos de Brito, Gabriel Garcia Márquez diz que escreve para que seus amigos o amem mais. Acho que tenho um pouco disso também. Mas acho que também escrevo, embora não de forma consciente, para que me odeiem mais. Manuel Bandeira diz, no mesmo livro, que escreve porque não sabe fazer música. Eu também optaria pela música, se pudesse. Já William Faulkner responde: “para ganhar a vida”. Ah, quem me dera poder viver do que escrevo. O máximo que consegui dentro desse universo foi ganhar a vida como editora de textos/revisora no Arquivo Nacional [risos].


Como é seu processo de escrita?

Apesar de sempre ter lido muito mais prosa que poesia, meus textos saem como poesia. Talvez por isso meus poemas costumem contar micro-histórias. Eu tinha uma ideia para um romance, mas enquanto tentava escrevê-lo, fazia poemas, e comecei a perceber que o romance estava saindo nos poemas. Então, acabei escrevendo um livro de poemas que tinha um enredo bem marcado, o enredo que eu havia pensado para o romance (“Ovos de ferro”). Tem uma informação interessante sobre esse livro: ele iria se chamar “Omelete para Virgínia”. Mas o poeta Armando Freitas Filho me sugeriu colocar “Ovos de ferro”, que era da epígrafe, uma frase do Guimarães Rosa. Eu havia mandado o livro para ele avaliar, e ele não só adorou, como me disse que se eu não usasse “Ovos de ferro”, ele iria usar no seu próximo livro [risos]. Foi ele quem me indicou para a editora 7letras. No segundo livro, “Farândola”, tentei fazer o mesmo, mas comecei a me sentir muito amarrada, porque virou um troço obrigatório, e aí começou a ficar chato. Além disso, dois acontecimentos começaram a me levar para outros temas que o enredo que eu tinha criado não comportava: a maternidade e a pandemia. Então abandonei o enredo. E dessa vez quis publicar com meu amigo, jornalista e editor Paulo Sabino, curador do selo Bem-Te-Li, da editora Autografia.


Por que dar ao livro o título de “Farândola”? Esta palavra é pouco utilizada e raras pessoas conhecem o seu significado.

Não me lembro quando, mas em algum momento da minha vida fiquei obcecada por essa palavra. Tive blog com esse nome, que está abandonado; meu Instagram tem esse nome (farandola.mariacristinamartins) e, claro, meu segundo livro de poemas tinha de ter o título de “Farândola”. Se tivesse parido uma menina, ia ser uma briga! [risos] O motivo da obsessão eu sei: além da sonoridade bonita, essa palavra tem dois significados de que gosto muito, separadamente e juntos – farândola é um tipo de dança e é grupo de maltrapilhos. A dança dos maltrapilhos.


Na sua trajetória, dança, literatura e pintura se cruzam. Como se deu essa mistura?

Escrevo desde criança. No colégio, aos 13 anos, ganhei um concurso chamado Projeto Pequeno Escritor, com um livrinho artesanal que eu mesma fiz, uma prosa. Depois tive um conto publicado em um outro concurso, e também escrevia em blogs, depois no Facebook, ou mesmo só para mim. Mas demorei para publicar. Só fui publicar meu primeiro livro em 2016, aos 39 anos! Acho que, justamente, porque ficava nesse conflito entre prosa e poesia. A dança surge em 2007, quando comecei a fazer dança flamenca. Foi a única atividade que consegui levar adiante em toda a minha vida. Já a pintura aparece somente em 2020. 

No início da pandemia, voltei a ficar em casa com o bebê, mas agora trabalhando, não mais em licença-maternidade, e parei a dança que mal havia retomado. Por um tempo, fiquei um pouco travada na escrita, como se as palavras não estivessem dando conta do inusitado pelo qual estávamos passando. Então comecei a pintar. De forma totalmente amadora, ou melhor, pré-amadora. Primeiro com caneta e lápis comum, depois comprei material de pintura: tinta acrílica, guache, tinta a óleo, pincéis variados, papel de boa gramatura. Simplesmente comecei a pintar. Algumas das pinturas desse período compuseram o “Farândola”, pois percebi que elas dialogavam com os poemas. Por exemplo, a primeira sessão, intitulada “A memória é um moinho de vento”, tinha a ver com a pintura que chamei de Dom Quixote, em que havia um… moinho de vento, que também pode ser visto como um ventilador (personagem de um dos poemas); a segunda sessão, “Parir é uma fenda no tempo”, era ideal para ser aberta pela pintura “O peito”, por motivos óbvios [risos]. Para a terceira, “O amor é uma festa fortuita”, havia uma pintura que representava justamente uma festa. Isso aconteceu com as seis sessões. Identifiquei que havia seis temas no livro bem definidos, que dialogam entre si também, claro, e que para cada um deles havia pinturas que poderiam ser a eles relacionadas. Acho que fico com alguns temas na cabeça que acabam saindo nas diversas formas de arte a que me arrisco. O poeta Tarso de Melo, com quem fiz uma oficina de poesia recentemente, disse que os poetas geralmente passam a vida toda falando sobre um único tema. 


Quais são as suas influências literárias?

Sempre li muito mais prosa que poesia. Romance, principalmente. Li de “Cristiane F.” a “Ana Karenina”. De “Pássaros feridos” a “Germinal”. De “Um estranho no espelho” a “Memórias póstumas de Brás Cubas”. Érico Veríssimo, Graciliano Ramos, José Saramago, Lygia Fagundes Telles, Jorge Amado, Gabriel García Márquez, Dostoievski, Milan Kundera, Stendhal, entre tantos outros.

De poesia, lia os mais badalados, Drummond, Manuel Bandeira, Hilda Hilst, Paulo Leminski, João Cabral de Melo Neto, Ana Cristina C., T.S. Eliot, Vladimir Maiakovski, entre outros. De uns tempos para cá tenho buscado ler mais poesia, e mais contemporâneos, e mais mulheres. Fui percebendo como lia muito mais homens que mulheres, e não é porque as mulheres escrevam menos, não é mesmo! Então descobri Adília Lopes, Wislawa Symborska, Orides Fontela, Danielle Magalhães, Hannah Cavalcanti, Ana Martins Marques, Matilde Campilho, Amália Bautista, entre tantas outras poetas maravilhosas.


“Farândola” é o seu segundo livro de poemas. Qual a diferença deste para o primeiro?

Do meu primeiro livro, de 2016, para este de 2021, sinto que minha poesia está mais madura. Acho que por eu ter ido me aprofundar em um dos mandamentos do Rubem Fonseca: alfabetização. Não no sentido estrito da palavra, claro. Fui ler mais poesia, e ler sobre poesia, principalmente sobre poesia contemporânea. Aprimorei também a paciência, não ter pressa para terminar o poema, investigar e experimentar as várias formas de escrever um mesmo poema. Ainda não reconheço meu estilo, ainda não sei se terei um estilo, talvez eu seja como Millôr Fernandes, outro escritor que adoro. Sei que gosto de ler e de contar histórias, então a poesia que conta histórias é a que mais me encanta. Mas uma história pode ser contada de muitas formas, e todas as formas podem ser boas. Não sei ainda se tem uma forma pela qual eu goste mais de contar minhas histórias, minhas não necessariamente minhas. Histórias um pouco minhas, um pouco roubadas e um pouco inventadas. Acho divertido quando alguém me pergunta para quem é determinado poema. Muitas vezes pode até ter sido inspirado em alguém, ou em algum acontecimento, mas já foi tão transformado em outra coisa que já nem me lembro o que tem de biografia ali. Não me importa mais. 


“Farândola” foi produzido em um período extremamente complexo. Qual foi o impacto de escrever em meio a uma pandemia, logo após ter sido mãe e ainda trabalhar?

Escrever nessas condições foi um caos, mas foi muito bom. Descobri novas formas de me organizar para escrever. Aproveitar cada brecha de tempo. Escrever com o bebê no peito. Não dormir para escrever. Me trancar no banheiro para escrever. Anotar uma ideia rapidamente para desenvolver mais tarde. Estar sempre escrevendo, mentalmente, não esperar ter o tempo ideal da escrita, porque ele não vai existir. Aproveitar a brecha entre o fim da revisão de um texto e o início da revisão de outro. Transformar o intervalo do cafezinho em hora de escrever. Colocar roupa na máquina de lavar enquanto percebo um poema. Em um aspecto, talvez tenha sido, por incrível que pareça, até mais fácil do que antes, pois perdemos a vida social. Em vez do barzinho, escrevo. Em vez de visitar uma amiga, escrevo. Em vez das festinhas em que me acabava de dançar, escrevo. O que me interessa é arrumar um jeito de escrever. E, nessa, já tenho material para pensar num terceiro livro. Já tenho até uma opção de título. Mas agora tenho trabalhado mais a poesia com a dança. Tenho vontade de fazer um livro em que seja possível publicar os poemas “dançados”. Soube que já existem livros em 3D, quero investigar como é isso, se seria possível. Talvez eu esteja falando um tremendo absurdo, mas quem sabe? Desde a invenção do fax, a tecnologia não para de me surpreender.


Contato:

MSL Comunicação

(21) 99116-2417

livro.farandola@gmail.com

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